Almas Gêmeas – por que isso não existe?

Espiritismo
Duas pessoas de mãos dadas representando almas gêmeas

Por Alcione K. Amaro

 

          O termo “alma gêmea” pode ter várias interpretações: duas almas com as mesmas qualidades; ou duas almas bem diferentes que se completam; ou almas predestinadas uma à outra; ou almas criadas uma para a outra. Enfim, na imaginação humana “alma gêmea” pode variar de acordo com as necessidades emocionais e culturais de cada um.

          Não se sabe ao certo como surgiu o mito da “alma gêmea”, na maioria das conjecturas surgiu na obra “O Banquete” do filósofo Platão, com o mito do andrógino, um terceiro gênero comum aos outros dois, o masculino e o feminino.

          “Andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino, (...) quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos, dois rostos sobre um pescoço torneado, semelhantes em tudo; mas a cabeça sobre os dois rostos opostos um ao outro era uma só, e quatro orelhas, dois sexos, e tudo o mais (...). Eram, por conseguinte de uma força e de um vigor terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses, (...) Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: “(...) eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tomado mais numerosos; e andarão eretos, sobre duas pernas. (...) desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro. ” (O Banquete (o amor, o belo), Platão, Portal Domínio Público – Biblioteca digital).

          O mito andrógino é uma estória da mitologia bem adequada para explicar a ansiedade que algumas pessoas possuem em encontrar na outra algo que pode lhes parecer faltar e que as farão sentirem-se completas e felizes.

          Encontramos o equivoco da “alma gêmea” em algumas obras psicografadas que se dizem espíritas (apenas pelo motivo de alegadamente terem sido ditadas por algum espírito através de um médium, mas usualmente sem nenhum tipo de aferição ou prova de verdade). Tudo indica que o movimento espírita começou a aderir à ideia da “alma gêmea” com a obra “Há Dois Mil Anos”, supostamente ditada pelo espírito Emmanuel, psicografada por Francisco Cândido Xavier, citando estes pequenos trechos, a seguir:

          “ (...)porque o destino o reuniu, agora, à alma gêmea da sua e um caminho áspero de provações amargas os espera no futuro,”... “se eu pudesse penetrar-lhes a excelsitude, em companhia do coração que é metade do meu, da alma gêmea da minha, que a sabedoria de Deus”...”regozijando-se no Senhor, ao verificar as profundas e benéficas modificações espirituais da alma gêmea da sua, na peregrinação iterativa das encarnações terrenas”...”Suavizai os tormentos da alma gêmea da minha, concedendo lhe neste instante o alvará da liberdade!”. (Há dois mil anos..., Francisco Candido Xavier, Romance de Emmanuel, Federação Espírita Brasileira).

          Nesta obra podemos até considerar que o termo “alma gêmea” é colocado como uma proposta romântica, porém, no ano seguinte, em 1940, é editado O Consolador, também quiçá ditado por Emmanuel e psicografado por Francisco Candido Xavier. Entre outros equívocos expostos nesta obra apresentamos os seguintes que se referem mais diretamente à questão da alma gêmea: vejamos a 3ª parte - Religião, nº 3 - Amor/União, as seguintes perguntas:

           “323 – Será uma verdade a teoria das almas gêmeas? – No sagrado mistério da vida, cada coração possui no Infinito a alma gêmea da sua, companheira divina para a viagem à gloriosa imortalidade. Criadas umas para as outras, as almas gêmeas se buscam, sempre que separadas. A união perene é-lhes a aspiração suprema e indefinível (...). 324 – Existe nos textos sagrados algum elemento de comprovação para a teoria das almas gêmeas? –(...) é justo lembrar que nas primeiras páginas do Antigo Testamento, base da Revelação Divina, está registrada: “e Deus considerou que o homem não devia ficar só. 325 – A atração das almas gêmeas é traço característico de todos os planos de luta na Terra? – (...) as almas irmãs caminham, ansiosas, pela união e pela harmonia supremas, até que se integrem, no plano espiritual, onde se reúnem para sempre”. (O CONSOLADOR, Ditada pelo Espírito: Emmanuel (primeira edição lançada em 1940), Psicografada por: Francisco Cândido Xavier)

           Na citação acima existe uma semelhança ao mito Andrógeno na seguinte frase: “Criadas umas para as outras, as almas gêmeas se buscam, sempre que separadas”. Quanto à: “e Deus considerou que o homem não devia ficar só”, o homem é um ser social e ele conviverá com outros com os quais se afine. Em outra frase: “até que se integrem, no plano espiritual, onde se reúnem para sempre”, temos um contradito aos ensinamentos da Codificação onde não há nenhuma citação direta ao mito “almas gêmeas”. O Livro dos Espíritos traz esclarecimentos quanto ao mito “metades eternas”. As questões nos afirmam que “Não, não existe união particular e fatal entre duas almas” (questão 298). O que caracteriza a atração entre os espíritos é o grau de perfeição que alcançaram, e quando um espírito se eleva e aqueles que lhe eram simpáticos não o acompanham na evolução, a simpatia já não existirá mais, do mesmo modo, aquele que se encontrava em condições inferiores, quando alcançar um grau mais adiantado encontrará a simpatia daqueles a que ele alcançou em grau de evolução. Não há nenhuma integração entre os espíritos, já que são individualidades e sem possibilidade de serem fracionados (questões 299 à 303). Comentário de Kardec: A teoria das metades eternas é uma imagem que representa a união de dois Espíritos simpáticos. E uma expressão usada até mesmo na linguagem vulgar e que não deve ser tomada ao pé da letra. Os Espíritos que dela se servem não pertencem à ordem mais elevada. (...). É necessário rejeitar esta ideia de que dois Espíritos, criados um para o outro devem um dia fatalmente reunir-se na eternidade, após terem permanecido separados durante um lapso de tempo mais ou menos longo.”  - (LE, Livro II – Mundo Espírita ou dos Espíritos, Cap. 6 – Vida Espírita,    VII – Relações Simpáticas e Antipáticas dos Espíritos – Metades Eternas) 

          Na psicanálise, considerando-se os dois mitos como metades, estes podem ser explicados quando procuramos projetar em alguém o nosso inconsciente. A mente humana, segundo Sigmund Freud, o pai da psicanálise, é formada pelo consciente e pelo inconsciente. O consciente é a parte da nossa mente de fácil acesso, onde acolhemos as qualidades que julgamos necessárias à nossa convivência social, já, o inconsciente é “as profundezas” da nossa mente, onde guardamos o que rejeitamos ou o que está esquecido.  Então, podemos procurar, em outras pessoas, a nossa personalidade que se encontra oculta no inconsciente, ou seja, simbolicamente, a nossa outra “metade”. A alma gêmea seria esta metade que insistimos em procurar em outra pessoa, mas que está em nós mesmos.

          O Espiritismo nos esclarece sobre as Leis Naturais confirmando o exposto acima, pois é no inconsciente que reside nossas necessidades básicas quando o Espírito encontre-se encarnado. O desejo do ser humano em acreditar que há uma pessoa exclusiva para ele pode ter sua causa na intuição e mesmo no instinto, pois o homem é uma composição de espírito e corpo físico sujeitos as Leis Naturais, entre elas a Lei de Sociedade e a Lei de Reprodução que podem nos esclarecer sobre as necessidades do relacionamento entre pessoas.

           “766. A vida social é natural? — Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu inutilmente ao homem a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação.”

          "767. O isolamento absoluto é contrário a lei natural? — Sim, pois os homens buscam a sociedade por instinto e devem todos concorrer para o progresso, ajudando-se mutuamente”. (LE, Livro III – As Leis Morais, Cap. 7 – Lei de Sociedade, I – Necessidade da Vida Social)

          “686 - A reprodução dos seres vivos é uma lei natural?  — Isso é evidente; sem a reprodução o mundo corpóreo pereceria. ” (LE, Livro III – As Leis Morais, Cap. 4 - Da Lei da Reprodução, I – População do Globo)

          Da vida em sociedade veio o desejo da união estável entre duas pessoas e com o cristianismo a legalização desta união visando conveniências. “Em 392, o cristianismo foi proclamado religião oficial. Entre 965 e 1008 eram batizados os reis da Dinamarca, Polônia, Hungria, Rússia, Noruega e Suécia.
Desses dois fatos resultou o formato do casamento, em princípios do ano 1000, com uma face totalmente nova. Durante o Sacro Império Romano Germânico - que sucedeu ao desaparecido Império Romano -, dirigido por Oto III de 998 a 1002, houve uma fabulosa transformação das sociedades urbanas romanas e das sociedades rurais germânicas e eslavas. As uniões entre homens e mulheres eram, então, o resultado complexo de renitências pagãs, de interesses políticos e de uma poderosa evangelização”.(http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/casamento_uma_invencao_…). Com a evolução da sociedade o casamento passou a ser a oficialização da união pelo amor entre duas pessoas.  “695. O casamento, ou seja, a união permanente de dois seres é contrária à lei da Natureza? — É um progresso na marcha da Humanidade”. (LE, Livro III – As Leis Morais, Cap. 4 – Lei da Reprodução, IV – Casamento e Celibato).

            A família tornou-se uma necessidade para o equilíbrio da vida em sociedade, com isso o casamento passou a ser uma necessidade para o ser humano. Atualmente o casamento não é apenas um contrato perante a sociedade, é também a união estável entre duas pessoas que se amam, seja ela oficializada perante a Lei do homem ou não. O importante é que o homem tem em si um princípio de união e formação de sociedade que o impulsiona a procura de um semelhante para a formação de uma família. Concluímos que o homem civilizado na nossa atual sociedade não pode fugir da Lei que o faz se unir a outra pessoa a fim de progredir e dar continuidade a sua espécie motivado também pela procura da felicidade, mas se colocarmos a responsabilidade da nossa felicidade apenas em outra pessoa jamais seremos pessoas equilibradas. A felicidade derivada da existência de uma vida romântica entre duas pessoas, um dos princípios na crença da “alma  gêmea” é o objetivo procurado por todos, mas o conceito de felicidade ainda é confuso devido ao baixo grau de elevação do ser humano. Ela será compreensível apenas quando o espírito alcançar o estado de perfeição:

          “Primeira Ordem: Espíritos Puros - 113. Primeira classe. Classe Única Percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Havendo atingido a soma de perfeições de que é suscetível a criatura, não têm mais provas nem expiações a sofrer. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, vivem a vida eterna, que desfrutam no seio de Deus. Gozam de uma felicidade inalterável, porque não estão sujeitos nem às necessidades nem às vicissitudes da vida material, mas essa felicidade não é a de uma ociosidade monótona, vivida em contemplação perpétua.” (LE, Livro II – Mundo Espírita ou dos Espíritos, Cap. 1 – Dos Espíritos, VI – Escala Espírita, Primeira Ordem: Espíritos Puros).

          Nós, espíritos encarnados, somos regidos por Leis Naturais que nos impele a comportamentos que deveriam ser tão naturais quanto estas leis. Porém, somos seres portadores do livre arbítrio, podendo escolher o que julgamos ser o melhor, com nossas escolhas sendo influenciadas pelas informações que absorvemos na sociedade. No caso de espíritos inferiores, os quais possuem faculdades intelectuais e morais menos desenvolvidas, a influência exercida pelo meio, onde estão encarnados, será maior do que nos espíritos com faculdades mais evoluídas, por isso, é muito importante que o movimento espírita tenha muito cuidado com as informações lançadas. A ideia de alma gêmea ou metades eternas é uma das informações que podem trazer consequências indesejadas, gerando falhas na estrutura da sociedade, desfazendo casamentos, adicionando elementos nocivos aos transtornos de comportamento: exacerbação de ciúmes, sentimento de posse, insegurança emocional, baixa autoestima, dentre outros, com suas já conhecidas consequências nas estatísticas de violência – tudo trazido pela ideia fatalista, determinista, de que tal pessoa seria a única pessoa que se encaixaria em nossas necessidades emocionais e que, sem ela, a vida não tem o menor sentido.

          940. (...) mas é uma dessas infelicidades de que, na maioria das vezes, sois a primeira causa. Em primeiro lugar, as vossas leis são erradas, pois acreditais vós que Deus vos obriga a viver com aqueles que vos desagradam? Depois, nessas uniões procurais quase sempre mais a satisfação do vosso orgulho e da vossa ambição do que a felicidade de uma afeição mútua. E sofreis, então, apenas a consequência dos vossos preconceitos”.  (LE, Livro IV – Esperanças e Consolações. Cap. 1 – Penas e Gozos Terrenos, IV – Uniões Antipáticas)

          Enquanto humanos, somos imperfeitos, e nesta condição não possuímos capacidade para julgar a faculdade de outros espíritos a fim de concluirmos se esta ou aquela pessoa possui qualidades equivalentes à nossa; é a equivalência do grau de evolução entre espíritos que os tornam simpáticos.

          939. (...) É necessário não esquecer que o Espírito é quem ama, e não o corpo, e que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade. Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma, e frequentemente se toma uma pela outra. A afeição da alma, quando pura e simpática, é duradoura; a do corpo é perecível; eis porque os que se julgam amar com um amor eterno acabam se odiando, quando passa a ilusão. ” (LE, Livro IV – Esperanças e Consolações. Cap. 1 – Penas e Gozos Terrenos, IV – Uniões Antipáticas).  

          Portanto, para o Espiritismo não há alma gêmea ou coisa semelhante: o espírito é criado sendo uma individualidade e a sua atração por outro espírito se deve ao mesmo progresso alcançado por eles. Contudo, aqueles que já possuírem maior compreensão dos ensinamentos dos espíritos, através da Codificação entenderá o que disse Jesus em OESE, “Meu reino não é deste mundo”, pois a felicidade não está neste mundo, em outro mundo material e nem em outro espírito. Deus nos criou únicos, evoluindo de grau em grau, unidos por afinidades de progresso, mas mantendo sempre a nossa individualidade.

          “2 – Por estas palavras, Jesus se refere claramente à vida futura, que ele apresenta, em todas as circunstâncias, como o fim a que se destina a humanidade, e como devendo ser o objeto das principais preocupações do homem sobre a terra. (...)”. (ESE, Cap. 2 – MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO)

 

 

 

http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/c.asp?id=03970

http://www.espacoacademico.com.br/005/05ray.htm

http://oarquetipo.wordpress.com/o-arquetipo/

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/casamento_uma_invencao_…

http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/banquete.pdf

www.luzespirita.org

¹http://livrodosespiritos.wordpress.com/

²http://evangelhoespirita.wordpress.com/

O Banquete (o amor, o belo), Platão, Portal Domínio Público – Biblioteca digital)

Há dois mil anos..., Francisco Candido Xavier, Romance de Emmanuel, Federação Espírita Brasileira)[AA1] .

O CONSOLADOR, Ditada pelo Espírito: Emmanuel (primeira edição lançada em 1940), Psicografada por: Francisco Cândido Xavier,  Digitalizada por: L. Neilmoris © 2009 Brasil www.luzespirita.org.br).

 

 

 

 

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